terça-feira, 6 de janeiro de 2015

PRODUÇÃO CIENTÍFICA E LIXO ACADÊMICO NO BRASIL

A resistência dos medíocres e a falta de coragem política das autoridades impedem o crescimento da ciência de alta qualidade no nosso país
Dois artigos publicados recentemente pela revista britânica "Nature", especializada em ciência, deixam o Brasil e, em especial, a comunidade acadêmica brasileira, profundamente envergonhados.
A "Nature" nos acusa, em primeiro lugar, de produzir mais lixo do que conhecimento em ciência. Nas revistas mais severas quanto à qualidade de ciência, selecionadas como de excelência pelo periódico, cientistas brasileiros preenchem apenas 1% das publicações.
Quando se incluem revistas menos qualificadas, porém, ainda incluídas dentre as indexadas, o Brasil se responsabiliza por 2,5%. O que a "Nature" generosamente omite são as publicações em revistas não indexadas, que contêm número significativo de publicações brasileiras, um verdadeiro lixo acadêmico.
O segundo golpe humilhante para a ciência brasileira exposto pela revista se refere à eficiência no uso de recursos aplicados à pesquisa. Dentre 53 países analisados, o Brasil está em 50º lugar. Melhor apenas que Egito, Turquia e Malásia.
Tomemos um exemplo. O Brasil publicou 670 artigos em revistas de grande prestígio, enquanto no mesmo período o Chile publicou 717, nessas mesmas revistas. O dado profundamente inquietante é que enquanto o Brasil despendeu em ciência US$ 30 bilhões, o Chile gastou apenas US$ 2 bilhões.
Quer dizer, o Chile, que aliás não está entre os primeiros em eficiência no mundo científico, é 15 vezes mais eficiente que o Brasil. Alguma coisa está errada, profundamente errada. A academia brasileira, isto é, universidades e institutos de pesquisas produzem mais pesquisa de baixa do que de boa qualidade e as produz a custos muito elevados. Há certamente causas, talvez muitas, para essa inadequação.
A primeira decorre de um "distributivismo" demagógico. É evidente que seria desejável que novos centros de pesquisas se desenvolvessem em regiões ainda não desenvolvidas do país. Mas é um erro crasso esperar que uma atividade de pesquisas qualquer venha a desenvolver economicamente uma região sem cultura adequada para conviver com essa pesquisa.
Seria desejável que investimentos maciços fossem aplicados em pesquisas em instituições localizadas em regiões pouco desenvolvidas, mas cujo meio ambiente é capaz de absorver os benefícios dessa inserção.
O segundo mal que é causa inquestionável da diminuta e dispendiosa produção de conhecimento é o obsoleto regime de trabalho que regula a mão de obra do setor de pesquisas em universidades públicas e na maioria dos institutos.
O pesquisador faz um concurso --frequentemente falsificado-- no começo de sua carreira. Torna-se vitalício. Quase sempre não precisa trabalhar para ter aumento de salário e galgar postos em sua carreira. Ora, qual seria, então, a motivação para fazer pesquisas?
O terceiro problema é o sistema de gestão de universidades públicas e instituições de pesquisa, cuja burocracia soterra qualquer iniciativa dos poucos bem-intencionados professores e pesquisadores que ainda não esmoreceram.
Pois bem. Há uma fórmula que evita todos esses males e que já foi experimentada com sucesso em algumas das instituições científicas do Brasil: a organização social. A resistência dos medíocres e parasitas e a falta de coragem política de algumas de nossas autoridades impedem a solução desse problema.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Novos vestíveis aderem à pele

O computador vestível, ultrafino e flexível da MC10

Por NICK BILTON
É quase certo que a próxima era da computação será dominada por vestíveis, porém ninguém sabe como eles serão nem em que parte do corpo serão usados.
A Apple e a Samsung, por exemplo, estão apostando no pulso, enquanto o Google investe no rosto. Algumas empresas de tecnologia acreditam que todo o vestuário será eletrônico. Há também um novo segmento de start-ups que acha que os humanos se tornarão verdadeiros computadores ou pelo menos repositórios de tecnologia.
Essas start-ups estão desenvolvendo computadores vestíveis que colam à pele como tatuagens temporárias ou como uma bandagem adesiva.
Muitas dessas tecnologias são flexíveis, dobráveis e extremamente finas. Elas também podem ter formas exclusivas para se destacar como uma tatuagem ousada ou se confundir com a cor da pele.
Computadores vestíveis serão mais baratos de produzir e funcionarão com mais precisão, pois os sensores ficarão rentes ou dentro do corpo das pessoas.
A empresa MC10, com sede em Cambridge, Massachusetts, está testando um tipo de computador vestível do tamanho de um pedaço de chiclete, que pode ter antenas sem fio, sensores de temperatura e de batimentos cardíacos e uma bateria minúscula.
Scott Pomerantz, diretor da MC10, disse: "Nosso computador vestível fica sempre ligado à pessoa. Ele é menor, mais flexível e estirável, e possibilita colher todos os tipos de dados biométricos relacionados aos movimentos".
Recentemente, a MC10 uniu esforços com John A. Rogers, professor da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. Há quase uma década, ele aperfeiçoa dispositivos flexíveis que possam ser usados na pele ou implantados.
Como esses dispositivos funcionariam? A pessoa colocaria alguns sensores no corpo na hora de sair para correr, depois veria uma análise altamente detalhada de seu exercício no telefone.
Outra função seria descobrir o melhor desodorante para certa pessoa. Um adesivo que monitora o grau de transpiração enviaria um e-mail com algumas recomendações. Outra utilidade seria monitorar a respiração de seu bebê colocando um pequeno sensor no peito dele para alertá-la caso ocorra qualquer problema.
"Os sistemas biológicos e eletrônicos serão muito mais integrados", afirmou Rogers. "Sem esse contato físico estreito, é difícil ou talvez até impossível extrair dados relevantes."
As aplicações para a saúde são numerosas. No ano passado, Rogers e sua equipe de cientistas trabalharam com pacientes com mal de Parkinson para monitorar seus movimentos, com dermatologistas que tratam doenças de pele e com empresas de cosméticos como a L'Oréal, a fim de desenvolver adesivos digitais que verificam a hidratação cutânea.
Anke Loh, da Escola de Arte do Instituto de Chicago (SAIC), está fazendo experimentos para que os computadores vestíveis pareçam body art. "Ao ver esses adesivos, dá vontade de colocá-los na pele, mesmo sem saber para que servem", disse. Cientistas da Universidade de Tóquio estão desenvolvendo uma "e-pele", uma pele eletrônica que fica sobre a pele real. Ela parece um pedaço de plástico estirável, porém contém vários sensores relacionados à saúde.
Em outra versão, cientistas estão trabalhando para adicionar uma camada de LEDs, transformando a pele em uma tela fixada ao corpo. Além de monitorar a saúde, as peles digitais poderão ser uma interface visual e talvez até substituam os smartphones. Porém, ainda é cedo para se desfazer de seu smartwatch ou do Google Glass.
Vai demorar para que o futuro vestível vire realidade. NYT, 11.11.2014.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Da gestão à digestão

Nas minhas andanças por Harvard, encontrei ainda mais motivos para ser apaixonado pela universidade. O Harvard Innovation Lab, o i-lab, foi lançado em novembro de 2011 e serve como centro de estudantes de toda a universidade interessados em explorar o empreendedorismo e a inovação.
O i-lab une estudantes, professores e empreendedores da universidade e da região de Boston interessados em inovar e empreender neste século de inovações e empreendedorismo.
Lá eu encontrei duas inovações que me fascinaram.
Uma é a Vaxxes, tecnologia que permite armazenar e transportar vacinas pelo mundo sem a necessidade de refrigeração.
Essa inovação reduzirá custos e permitirá a imunização de milhões de pessoas pelo mundo, principalmente nas áreas mais carentes. O projeto venceu um concurso anual de empreendedorismo social da universidade e desde então recebeu investimentos de empresas e centros tecnológicos da região.
A segunda iniciativa do i-lab que me fascinou e a que mais me emocionou foi a Six Foods.
Seu objetivo é introduzir e promover o consumo de insetos no Ocidente como comida sustentável e saudável. Daí o nome Six -eles acreditam que seis patas são melhores do que quatro quando falamos de alimentação do futuro num planeta mais sustentável.
Harvard, sempre tão voltada à gestão, agora se volta à digestão, o que faz muito sentido dentro da crescente conscientização global de que somos o que comemos.
As comparações entre um grilo e uma vaca são impressionantes do ponto de vista nutritivo, econômico e ambiental. A Six Foods descobriu que o rebanho bovino produz cem vezes mais gases causadores do efeito estufa do que os grilos e usa 2.000 vezes mais água do que os insetos para produzir a mesma quantidade de carne. Os insetos ainda são 70% proteína e ricos em vitaminas e minerais essenciais à saúde humana.
A empresa vê um futuro onde grandes celeiros urbanos de insetos utilizam restos de comida das cidades, transformando lixo em alimentos saudáveis e sustentáveis.
A Six Foods já começou a criar produtos para introduzir no mercado ainda neste ano. O primeiro deles é o Chirps, um salgadinho de farinha de grilo para concorrer com as famosas batatinhas chips, mas com o triplo da proteína, metade da gordura, livre de glúten e 100% natural.
Os insetos, obviamente, são já consumidos em larga escala em várias partes do mundo, principalmente na Ásia e na África. O desafio da Six é criar produtos com apelo suficiente para torná-los elemento importante da dieta ocidental.
Isso poderia parecer impossível há algumas décadas. Mas hoje vivemos uma verdadeira revolução de hábitos e costumes, uma revolução da alma, muito mais profunda e consequente que a tão comentada revolução tecnológica. O carro do ano é a bicicleta, e a comida do futuro é orgânica.
O Brasil tem todos os atributos para ser altamente competitivo nessa nova onda, com os nossos abundantes recursos naturais e a nossa consciência ecológica. Mas, para isso, precisamos de uma revolução acadêmica.
É urgente e fundamental deixar de teorizar e começar a praticar a ideia de realinhamento da academia brasileira com o mundo da produção e dos negócios. As universidades podem e devem ser a linha mais curta entre a inovação, as empresas e o mercado.
Stanford, Harvard e outras grandes universidades americanas e de outros partes são "hubs" nevrálgicos que produzem inovação, mudam indústrias e impulsionam países.
A genialidade e o empreendedorismo brasileiro ganharão tremendamente se passarem sistematicamente pela pesquisa, profundidade e organização que só as universidades podem dar.
O crescimento do número de brasileiros matriculados em cursos superiores é uma grande conquista para o país e também para a academia. Mas a revolução educacional não pode ser só numérica. Ela tem que ser qualitativa e produtiva.
Além de educar os alunos, as universidades brasileiras precisam ajudar a educar as empresas e o país a ocuparem seu espaço no novo mundo que estamos criando. Nizan Guanaes Folha, 02.09.2014.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Humanos viveram com neandertais por até 5 mil anos, afirma pesquisa: Estudo mostra que tempo de convivência seria suficiente para miscigenação e trocas culturais

Pesquisadores da Universidade de Oxford propõem também 'certidão de óbito' mais antiga para neandertais

REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ainda não se sabe ao certo por que os neandertais se extinguiram, mas um novo estudo deixa uma coisa bastante clara: o triunfo do Homo sapiens sobre seus primos supostamente primitivos não foi um passeio. As duas espécies podem ter convivido por até 5.000 anos na Europa.
É como se o primeiro contato entre neandertais e ancestrais dos humanos modernos no continente tivesse acontecido antes da construção das primeiras pirâmides do Egito, enquanto o desaparecimento total deles ocorreria no ano passado.
"Imagino um cenário no qual havia pequenas populações dos dois grupos na Europa, com um declínio lento e constante dos neandertais conforme os humanos modernos iam aparecendo em maior número, com tecnologia mais sofisticada", disse à Folha Tom Higham, pesquisador da Universidade de Oxford (Reino Unido) e coordenador da pesquisa.
Higham e seus colegas também estão propondo uma "certidão de óbito" mais antiga para o Homo neanderthalensis. Há 39 mil anos, afirmam eles, todos teriam desaparecido --pesquisas anteriores indicavam que, na Espanha e Portugal, os neandertais poderiam ter resistido até uns 35 mil anos atrás.
As conclusões, publicadas na edição desta semana da revista "Nature", baseiam-se em avanços tecnológicos que melhoraram bastante a precisão das datações de achados arqueológicos, feitas com o método do carbono-14.
Tais datações são realizadas com base na presença de uma variante radioativa do elemento químico carbono em restos de matéria orgânica, como ossos e dentes.
Esse carbono-14 é incorporado naturalmente pelos seres vivos em seu organismo. Após a morte de plantas e animais, ele passa a se transformar em nitrogênio a uma taxa conhecida, o que permite calcular o tempo entre a morte e o momento presente.
Acontece que o cálculo é complicado --a matéria orgânica muito antiga pode acabar sendo contaminada com carbono "jovem", entre outros problemas.
A equipe dominou técnicas para contornar essas dificuldades e realizou uma batelada de novas datações, investigando amostras de 40 sítios europeus, de Gibraltar (sul da Espanha) à Rússia.
Os resultados mostraram não apenas que os neandertais teriam desaparecido mais cedo do que se imaginava como também sugerem que as primeiras tribos de humanos modernos já estavam por perto entre 5.400 anos e 2.600 anos antes do sumiço do Homo neanderthalensis.
É tempo mais do que suficiente não apenas para episódios de miscigenação (a comparação entre o DNA de pessoas de hoje e o de neandertais indica que, de fato, isso ocorreu) como também para intercâmbio cultural, defende Higham.
Esse seria um jeito de explicar a tradição arqueológica conhecida como chatelperroniense, encontrada na França. Os artefatos com esse estilo parecem ter sido feitos por neandertais, mas têm sofisticação similar à dos produzidos por humanos anatomicamente modernos. A ideia é que os neandertais teriam aprendido essa arte com nossos ancestrais.
A pesquisa, porém, já provoca controvérsia. O arqueólogo português João Zilhão, da Universidade de Barcelona, criticou as conclusões de Higham e companhia.
Ele questiona, entre outras coisas, a ideia da "aculturação" neandertal que teria gerado o chatelperroniense. Para ele, os neandertais teriam sido capazes de criar essa cultura sozinhos. Folha, 21.08.2014.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Abertura econômica sozinha não garante avanço, diz sociólogo


ÉRICA FRAGA - MARIANA CARNEIRO


A abertura da economia é um passo importante para o desenvolvimento de um país, mas não é suficiente.
Para Glauco Arbix, presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, instituição de fomento à tecnologia e à inovação), sem a seleção de setores e a ajuda de subsídios as empresas não fazem investimentos arriscados.
"Desenvolvimento não é destino. As nações que se desenvolveram utilizaram essas práticas de forma intensiva", afirma.
Embora defenda maior abertura da economia, Arbix critica economistas que acreditam que a "tecnologia e inovação são bens que podem ser encontrados no mercado".
"Só a abertura não leva a lugar nenhum em termos de tecnologia", diz. Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Zé Carlos Barretta/Folhapress
O presidente da Finep, Glauco Arbix, em sua casa, em São Paulo; entidade financia projetos de inovação e tecnologia
O presidente da Finep, Glauco Arbix, em sua casa, em SP; entidade financia projetos de inovação
*
Folha - O governo vem incentivando a indústria e, mesmo assim, o setor está em crise. A política não está dando certo?

Glauco Arbix - Décadas de economia fechada, protegida como a brasileira, geraram uma acomodação das empresas. Você não se livra dessa herança por decreto, nem de uma hora para outra.

Uma politica que tem foco, recursos, prioridades, definição de áreas e é voltada para pesquisa e desenvolvimento está sendo feita agora pela primeira vez. O Brasil demorou de 2004 a 2014 para reaprender a fazer aquilo que soube no passado.
Por que demorou tanto?
Precisa ter persistência, insistência. Nem sempre é possível avançar porque o ambiente institucional no Brasil não é amigável à inovação, há incompreensões de todo o tipo.
Há leis que precisam ser interpretadas, e há órgãos diferentes, que interpretam as leis de uma maneira que nem sempre é clara. Para dar um salto efetivo, o Brasil não depende só de uma política de inovação ou de uma política de financiamento.
Dado que o diagnóstico sobre o ambiente de negócios é claro, por que é tão difícil mudar?
Porque tem sempre gente que ganha com o jeito que as coisas estão. Não basta todo mundo concordar, não basta dar uma ordem ou assinar um decreto. Há um jogo de forças que esbarra no Congresso Nacional, nas instituições reconhecidas, nos cartórios, nas reservas de mercado.
Todo mundo sabe que a gente precisa criar um sistema de registro de empresas em quatro, cinco dias como muitos outros países fazem. O nosso demora mais de cem dias. Por quê? Porque tem gente que ganha ao longo do processo.
Como isso pode mudar?
Quando cheguei à Finep, em 2011, a análise de um projeto [para receber o financiamento] levava 454 dias. Instalamos um processo que demora 30 dias.
Como foi possível?
A visão simplista é achar que tudo é um problema de gestão, que faz com que as pessoas trabalhem de forma ineficiente. Mas o que fizemos foi o que a economia brasileira precisa fazer: colocamos inteligência no processo. Fizemos acordos com instituições internacionais, como o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Desses acordos, foram elaborados 86 indicadores de inovação. Isso abreviou o trabalho dos analistas. Desde setembro, qualquer empresário pode pedir empréstimo à Finep do seu smartphone.
Isso também alterou toda a estrutura e as relações de poder que existiam dentro e fora da Finep. Você acha que os consultores que viviam de formatar projetos falando "finepês" ficaram contentes?
E o que foi feito?
Primeiro conseguimos envolver a Finep para aceitar a mudança. Nem sempre é fácil. É uma instituição pública, não se pode demitir, porque os funcionários têm estabilidade, é impossível dar prêmio, porque o salário não é definido por mim, e não consigo punir. Então, quando se fala em gestão, se no setor privado já é difícil, no setor público é um Deus nos acuda.
Qual é a única arma? O convencimento. Muita gente se envolveu, ajudou. Dialogamos com as empresas e agora preparamos o Finep 30 dias para as universidades.
Como estimular as empresas a buscar recursos para inovar?
Nós fazemos oficinas com as empresas antes de conceder o empréstimo. Muitas vezes elas não conseguem traduzir muito bem o que querem, do que precisam. Mas o mais importante é que temos a oportunidade de questionar por que não estão avançando mais, para que tenham maior pretensão do ponto de vista tecnológico.
Isso não será feito se você só abrir um guichê e dizer 'venha buscar suporte' ou simplesmente abrir a economia. Isso é um trabalho de diálogo, de persuasão, de convencimento, porque as empresas nem sempre conseguem enxergar em suas estratégias a tecnologia como parte integrante dos caminhos que ela definiu para crescer.
Isso ocorre porque o mercado é protegido e elas sentem que não precisam?
Estamos pagando o preço de 50 anos de uma economia fechada. As empresas brasileiras sempre viveram uma competição mutilada. E as multinacionais que vieram para cá transferem tecnologia apenas a conta gotas. Nós aprendemos a viver durante décadas com produtos de segunda categoria.
A economia deveria ser mais aberta?
A economia brasileira ainda é muito fechada, é possível abrir mais. A abertura agiliza o mercado, exige que as empresas respondam à pressão da competição com novos produtos e processos. Mas só a abertura não leva a lugar nenhum em termos de tecnologia. Quando o assunto é inovação, você tem investir seletivamente. Você tem que oferecer condições excepcionais porque são áreas de risco, de incerteza, e as empresas não entram. Nem aqui, nem no Japão, nem na China, nem nos EUA, em lugar nenhum.
Um dos grandes erros de alguns economistas é acreditar que tecnologia e inovação são bens como quaisquer outros, que podem ser encontrados no mercado. Isso é um engano gigantesco, porque o mundo inteiro tem políticas orientadas, seletivas e subsidiadas. Todas as nações que se desenvolveram se utilizaram dessas práticas de maneira intensiva. E o Brasil está chegando tarde.
Quantos países se desenvolveram nos últimos 50 anos? Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura. Quantos tentaram se desenvolver e não conseguiram? Muitos. Desenvolvimento não é destino. Pouquíssimos conseguem chegar lá, e os que conseguiram foram exatamente os que selecionaram, subsidiaram.
Existe restrição orçamentária do governo, temem um corte?
O governo é uma fonte inesgotável de surpresas. Mas eu não gostaria, porque a produtividade é a agenda chave da economia brasileira. Podem dizer que é preciso discutir juros, câmbio, inflação, as variáveis macroeconômicas. Eu acho que a produtividade é a única agenda relevante que o Brasil tem e que deve enfrentar nos próximos 10 anos.
Podemos discutir se a questão primeira é a qualificação da mão de obra, mas este é um processo que demora. A tecnologia é um processo mais rápido, mas é mais complexo. Misturar isso em um ambiente mais amigável às empresas, menos burocratizado, com mais agilidade é a fórmula que todo mundo vai atrás. Se a Dilma ganhar ou se outro candidato ganhar, essa agenda terá que ser feita.
Eu só não acredito em vodu, que com abertura da economia automaticamente a luz se faz. Não se fará, continuaremos no escuro. Folha, 15.07.14

terça-feira, 17 de junho de 2014

Biologia sintética chega às prateleiras

Poucas normas regulam uso de nova tecnologia
Por STEPHANIE STROM
Produtos de varejo contendo ingredientes fabricados com o uso de uma técnica avançada de engenharia, conhecida por biologia sintética, começam a aparecer nas prateleiras das lojas.
Um detergente líquido para lavar roupas da Ecover, empresa belga, contém um óleo produzido por algas cujo código genético foi alterado com a aplicação da biologia sintética. A sequência de DNA da alga foi alterada em laboratório, segundo Tom Domen, gerente da Ecover. A empresa classifica o óleo à base de algas como um substituto "natural" para o óleo de palmiste.
A biologia sintética, destinada originalmente à produção de biocombustíveis, existe há 20 anos, mas só recentemente passou a ser usada em segmentos como cosméticos, sabores e fragrâncias.
A Unilever anunciou pouco tempo atrás que estava usando óleo de algas de uma empresa chamada Solazyme na composição do seu popular sabonete Lux. Mas, em um exemplo de como as empresas podem estar receosas em divulgar o uso da biologia sintética, não está claro se o óleo no Lux foi criado a partir de um processo sintético.
A Solazyme revela que usa substâncias como o coalho, empregado também na fabricação de queijos e que requer uma enzima chamada quimosina. Os estômagos de bezerros eram normalmente utilizados para a obtenção dessa enzima. Mas, desde o final dos anos 1990, a quimosina tem sido gerada por um micróbio cujo código genético foi alterado com a inserção de um gene bovino. Esse processo é o mais utilizado nos EUA.
Mas a biologia sintética envolve técnicas que alteram o código genético de forma mais ampla. Entre elas, a "síntese de genes artificial" -na qual o DNA é criado em computadores e inserido em organismos- e outros métodos de mudança das sequências de DNA e dos genes para alterar suas funções. Tais técnicas são usadas para induzir bactérias, fungos e outros organismos a produzir substâncias que eles normalmente não produzem.
De acordo com o ETC Group, organização que estuda novas tecnologias, a Ecover é a única companhia que confirma publicamente o uso da biologia sintética para criar um ingrediente de um produto específico, seu detergente Ecover Natural Laundry Liquid.
A Ecover compra o óleo de algas da Solazyme, que antes se apresentava como uma empresa de biologia sintética, mas retirou o termo de seu site.
A Solazyme descreve o organismo que produz o óleo como "uma cepa otimizada" de algas unicelulares "que existem há mais tempo do que nós".
"Usamos a biologia molecular e a fermentação industrial para produzir óleos de algas renováveis e sustentáveis, que ajudam a aliviar a pressão sobre os frágeis ecossistemas próximos à linha do equador", disse Jill Johnson, diretor de sustentabilidade da empresa.
Ambientalistas e grupos de consumidores, no entanto, querem que a Ecover informe o uso da biologia sintética em seu novo óleo. Os grupos reconhecem que o óleo Solazyme em si não contém ingredientes geneticamente modificados no significado convencional do termo. Na verdade, o organismo que produz o óleo é que foi alterado geneticamente.
Mas eles argumentam que etiquetar produtos que contêm tais ingredientes como "naturais" dá uma falsa impressão.
Atualmente, esse mercado está desregulado. Um comitê científico da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU deve discutir esse florescente campo científico e as potenciais implicações regulatórias em um encontro neste mês.
Domen disse que já houve um debate interno sobre o uso do óleo de algas, mas que os benefícios ambientais se sobrepõem às preocupações sobre qualquer reação negativa dos consumidores.
A Ecover diz que está trabalhando "para identificar a melhor forma de passar essa informação" na rotulagem de seu detergente. Colaborou Andrew Pollack. NYT, 17.06.2014

terça-feira, 20 de maio de 2014

Steve Jobs violou a ética e, provavelmente, as leis

Por JAMES B. STEWART
Se Steve Jobs estivesse vivo hoje, deveria estar na prisão?
É essa a pergunta discutida nos círculos antitruste depois de vir à tona que Jobs, co-fundador da Apple e figura profundamente reverenciada no Vale do Silício, foi a força motriz de uma conspiração para impedir concorrentes de "roubar" profissionais.
De acordo com o primeiro parágrafo da Lei Antitruste Sherman, toda "conspiração que restringe o comércio" é ilegal.
Para Herbert Hovenkamp, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Iowa e especialista em legislação antitruste, Steve Jobs "era uma violação ambulante". "Fico estarrecido com os riscos que ele parece ter se disposto a correr."
O pacto para impedir que profissionais fossem para a concorrência não foi a única violação legal "post mortem" cometida por Jobs. Seu comportamento esteve no centro de uma conspiração com editoras para determinar preços de livros eletrônicos.
Em 2013, após um julgamento prolongado, um juiz federal concluiu que "a Apple exerceu papel central na facilitação e execução dessa conspiração". A empresa recorreu. Todas as editoras fizeram acordos com a Justiça.
Jobs também teve papel de destaque no escândalo de opções reatroativas sobre ações, que sacudiu o Vale do Silício em 2006.
Milhares de opções foram datadas retroativamente pela Apple e pelo estúdio de animação Pixar, do qual Jobs também era executivo-chefe, para aumentar o valor das opções sobre ações dadas a profissionais seniores.
Uma investigação feita por advogados da Apple isentou Jobs de erro, dizendo que ele não entendia as implicações contábeis, mas concluiu que ele "teve consciência de ou recomendou a seleção de datas favoráveis para a concessão de opções."
O próprio Jobs recebeu opções sobre 7,5 milhões de ações, que foram retroativadas para elevar seu valor em mais de US$ 20 milhões (R$ 44,2 milhões).
A Apple admitiu que a ata da reunião de seu conselho em outubro na qual a concessão das opções teria sido aprovada foi falsificada, que a suposta reunião não ocorreu e que as opções foram concedidas em dezembro.
Cinco executivos de outras empresas foram presos por retroativar opções sobre ações, mas Steve Jobs não chegou a ser acusado pela Justiça.
Executivos da Apple fizeram acordo com a Comissão de Valores Mobiliários e se demitiram.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos tende a acusá-los apenas nos casos mais graves, e, segundo esse critério, é provável que Jobs nunca teria chegado perto de ser acusado.
Walter Isaacson, autor da biografia "Steve Jobs", que se tornou best-seller, disse que Jobs "sempre achou que as regras que se aplicam às pessoas normais não valiam para ele. Essa era a genialidade de Steve, mas também sua esquisitice".
Brian Lam, repórter de tecnologia e fundador do site Wirecutter, disse que alguns poucos problemas com as leis antitruste não reduziram o prestígio de Steve Jobs no Vale do Silício.
Para ele, o co-fundador da Apple "não prestava atenção às convenções, e, hoje, é essa a cultura do setor tecnológico".
Não há como saber se Jobs teria enfrentado acusações criminais. Em vista de sua popularidade, os promotores talvez não quiseram se arriscar em um julgamento, observou Hovenkamp.
Jobs provavelmente chegou mais perto de ser processado no escândalo das opções retroativas, mas nesse momento já era sabido que ele tinha câncer.
Mas o que o teria levado a tentar burlar da lei? Isaacson observou que "as pessoas sempre falavam de sua realidade distorcida":
"As regras não se aplicavam a ele, quer ele estivesse obtendo uma licença para usar a vaga de deficientes ou criando produtos que as pessoas diziam não ser possíveis."NYT, 20.05.14